terça-feira, 10 de julho de 2018

1977


    Tínhamos dois gatos e cinco cachorros.Éramos como uma família.Para os bichos e para as crianças,qualquer canto dos cinco cômodos da casa era palco de alguma nova peripécia.A gente tinha um mundo inteiro para ser descoberto.Nem sempre a convivência era das mais pacíficas,mas pelo menos não sofríamos de solidão.
   Gato com nome de gente,cachorro com nome de gente,em casa era assim.Clotilde,Gersina,Tarzan,Gilberto Gil,Caetano Veloso,Frederico José e Elke Maravilha.Ainda tinham o Roberto Carlos e o Nelson Ned,um galo com pinta de artista de TV e um galizezinho metido a brabo.Um dia o Nelson Ned se engraçou pro lado das galinhas e resolveu tomar o terreiro de assalto.Deu uma taca tão grande no Roberto Carlos que ele quase teve de ir pra panela.Os dois acabaram se entendendo e o Roberto Carlos morreu de velho.
   A Gersina era a gata mais preguiçosa da face da terra e a Clotilde,de tão enturmada com os gatos da vizinhança,passava mais tempo na rua do que em casa. O Tarzan,um pequeno vira-latas preto,não tinha a agilidade da chita e morreu atropelado.Foi enterrado no quintal sob lágrimas,com direito a cruz e rosas.
   O Frederico José era meio fresco e não dava muita moral pros outros cachorros.Gilberto Gil,Caetano veloso e a perdigueira Elke Maravilha,que estava mais para Dercy Gonçalves,eram como os bichos do desenho animado.Com uma energia inesgotável,capaz de dar inveja a qualquer super-herói,estavam sempre dispostos a nos acompanhar por onde quer que fôssemos,ainda que isso significasse se meter em grandes enrascadas.Passar o dia enfiado no mato,atravessar córregos,ter de se equilibrar em cima de uma carroça desembestada,enfrentar a fúria de outros cachorros ou servir de cobaia para as nossas brincadeiras nada engraçadas,acabava se tornando uma prova de lealdade.
   Minha mãe era viciada em velórios.Não podia ouvir uma nota de falecimento que tratava de se deslocar para a despedida do defunto,fosse ele um conhecido ou indigente.O Frederico José não saia da cola dela.Ele a acompanhava a certa distância,trotando suave feito cachorro de gente rica,enquanto ela resmungava tentando fazê-lo voltar pra casa.Elegante,ele a aguardava pacientemente do lado de fora,mas vez ou outra cismava de se enfiar debaixo do caixão.Minha mãe,incrédula,ficava sem saber onde enfiar a cara de tanta vergonha.
   Os anos se passaram,minha mãe e o Frederico José se foram,assim como o Gilberto Gil,o Caetano Veloso,a Elke Maravilha e os gatos.Os anos levaram também a minha infância e mudaram a minha forma de ver o mundo,mas quando me lembro deles,tenho a sensação de que somos meio bicho,meio gente,e nunca vamos perder a essência dessa ligação.

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