quarta-feira, 18 de julho de 2018

1986


   O método mais seguro para aprender a empinar,era sair carregando alguém na garupa para segurar a moto arrastando os pés no chão,caso ela ameaçasse virar.
   Numa dessas experiências,estávamos empinando na rodovia que liga Tupaciguara a Araguari.Eu havia acabado de comprar uma YAMAHA RS125 e saí com o Saci na garupa.Depois de rodar quase um quilômetro numa roda só,confiante de que o Saci estava me ajudando,aterrisei todo feliz,e ao olhar para trás para agradecê-lo,cadê ele?.Estava lá longe,deitado no asfalto,se contorcendo de rir.Eu disse;Nego fedaputa!!! como é que você faz isso? imagina se eu viro de costas? e o resto do pessoal se desmanchando em gargalhadas.
    Um outro filme que também me marcou profundamente foi MAD MAX.Eu e o Graia assistimos esse filme uma dezena de vez.Aquelas motos e aquele jeito de se vestir me inspiravam de tal forma que nado eu colocava minha jaqueta de couro e calçava as botas de cano longo que o seu Euclides sapateiro fazia pra gente,me sentia o próprio MAD MAX.
   Mas a cidade também tinha seus personagens que nos inspiravam.Eram os donos das melhores motos e por onde passava,chamavam a atenção.Todos nós queríamos ser iguais ao Hélio paçoca com sua HONDA CB750 FOUR azul,ao Gatãocom sua HONDA CB 750 FOUR marron,AO NATALZIN COM SUA kawasaki ninja 1000 PRETA,e ao Frauda ,com sua KAWASAKI KDX 200 verde.
 

terça-feira, 17 de julho de 2018

1985


  Depois de muita economia o Graia conseguiu comprar uma HONDA CG125 bem conservada que a gente apelidou de Garça Branca.
   Sem muita opção,acabei comprando um ciclomotor AGRALE,com o qual,resolví ensinar minha irmã a pilotar.Mas a alegria durou pouco.Depois que expliquei todos os comandos e dei algumas dicas de segurança,ela subiu na motoquinha e seguiu à toda velocidade por uma rua sem saida.Quando se aproximou do final da rua,nada de desacelerar.Ela passou reto,invadindo a calçada e pregando a cara no muro.Não sei quem ficou mais destruido,se foi minha irmã ou a moto.
   Sem moto,passei um tempo andando de carona com o Graia.A gente sempre ia pros festejos que aconteciam nos povoados da região.Enfrentávamos o frio mortal das madrugadas de inverno sem a menor proteção.O Graia,esperto,me colocava para pilotar para escapar do frio,e eu aproveitava pra melhorar a minha pilotagem.
   Quando o Saci estava em tupaciguara,trabalhava como tratorista.O Saci era uma boa pessoa,tinha um coração gigante e uma gargalhada inconfundível.O problema é que nunca dispensava uma boa bebedeira.Era só encher a cara e subir numa moto que se transformava.
   Quando ele estava na fazenda,eu e o Graia sempre íamos visitá-lo.Numa dessas visitas,o encontramos com uma cobra que havia acabado de capturar.Era uma Giboia.Para quem não sabe,existe uma crença que diz que se a Giboia te soprar,sua pele fica branca,como se fosse vitiligo.
   O saci sempre brincava,dizendo que queria ser branco que nem o Michel Jackson,e com a cobra trancada num dos cômodos da casa,ele insistia que queria ser todo soprado.Pegamos um cabo de vassoura,e quando o saci baixava as calças,apontando a bunda na direção da cobra,a gente cutucava a bichona,que enfurecida,abria a boca armando o bote.Nisso,o Saci dava um pulo gritando:Ai meu Deus!! nossa senhora!! ela me soprou!! olha aqui!(mostrando a bunda preta pra gente)já tô ficando branco!!
   Ficamos por um bom tempo passando raiva nessa cobra,até que resolvemos soltá-la.
A CG 125 DO GRAIA
CICLOMOTOR AGRALE

segunda-feira, 16 de julho de 2018

1984


   Em 1984 consegui comprar minha primeira moto.Era uma Yamaha FS1 50 cc,de mil novecentos e antigamente.Foi um negócio da china.Dei como pagamento um aparelho de som dois em um novinho em folha e mais alguns trocados.
Quando fui buscá-la,a encontrei submersa numa grossa camada de serragem.O vendedor,um marceneiro amigo do  meu pai,pareceu até surpreso quando ela funcionou.Acho que ele deu graças a Deus quando se viu livre daquela tranqueira.
   Da marcenaria,fui direto para a casa do graia,me tremendo e com a respiração ofegante de tanta emoção.Coloquei ele na garupa e fomos pro Bem-Te-Vi,um clube da cidade onde tinha uma pista de motocross.A Yamahinha só fazia barulho e mal conseguia sair do lugar.
   Chegando na pista,encontramos o Avenir treinando com sua Yamaha YZ 250 e sem titubear,invadí o traçado pela contramão.O Graia ficou para trás na primeira curva,e as pessoas que estavam na lateral da pista me olhavam como se estivesse acabado de aterrizar ali um ET de Varginha.
   Depois de atravessar algumas costelas de vaca,tentei encarar o King Kong,um salto quase vertical,e a moto parou bem lá no meio.Sem a menor chance de conseguir vencer o obstáculo,voltei ladeira abaixo,me equilibrando para não cair.Nisso,passa o Avenir me olhando com cara de espanto.Deve ter pensado:Diabéisso meu Deus?? De onde é que saiu isso?
   Quando cheguei em casa,depois de algumas horas com a moto,ela simplesmente deixou de funcionar.Resultado:motor fundido.Definitivamente alegria de pobre dura pouco.
   Levei a moto para a marcenaria e a desmontei toda,com a intenção de fazer dela uma café racer.Fabriquei uma rabeta de madeira,number plates de duratex,modifiquei o guidão,retirei toda a parte elétrica,dei um banho de tinta e um bom polimento nas partes cromadas.O problema é que o motor estava tão detonado que não vi muitas chances de conseguir fazê-lo voltar a funcionar.
   Resolvi passá-la pra frente.Troquei a poderosa FS1 café racer por um velho fogão a gaz que fez a alegria da minha mãe ,e um relógio de pulso que derreteu depois que tentei fazê-lo funcionar com energia elétrica.
   Depois da FS1,acabei comprando uma YAMAHA RD75cc.Foi uma melhora de desempenho substancial,mas ainda muito distante das minhas expectativas.Acho que a égua do Jessy,uma velha pangaré que a gente engatava na carroça e descia o cacete para dar cavalo de pau,era mais rápida do que a minha moto.
   Quase todas as noites a gente ia pra porta do cemitério aprender a empinar.Éramos um bando de moleques andando numa roda e tirando o sossego da vizinhança.
   Às vezes a policia aparecia por lá com sua Veraneio cinza e botava todo mundo pra correr.Muitas vezes minha moto teimava em não funcionar e na hora do desespero eu saia empurrando ela ladeira abaixo para me esconder no primeiro refúgio que encontrasse.
   À essa altura o Saci já havia comprado uma YAMAHA RX125 e passava mais tempo em Uberlândia do que em Tupaciguara.Eu e o Graia fomos visitá-lo algumas vezes,inclusive saindo no meio da noite a bordo
da minha moto,sem capacete,sem habilitação e sem a menor noção do perigo.
   Após vender a YAMAHA RD75,comprei uma Mobillete Monark bem novinha,que durou pouco mais de uma semana.Cismei de dar um salto numa pista de motocross e acabei partindo ela ao meio.Além do prejuízo,tive o nariz e as mãos bem esfolados.

YAMAHA FS1 50cc
A YAMAHA YZ 250 DO AVENIR

CICLOMOTOR MONARK

YAMAHA RD75

YAMAHA RX125

1983


   Próximo de casa existia uma trilha muito legal.Praticamente todos os dias no final da tarde,eu me aventurava por lá.O traçado era uma longa descida repleta de saltos,curvas e desniveis que serpenteava por entre as árvores.
Nessa época,a Monark e a Caloi haviam acabado de  lançar suas BMX,Mas eu já praticava bicicross e inclusive usava ese nome para descrever as minhas aventuras.A única diferença é que no lugar das modernas BMX  eu usava Monarcona barra circular que nem sempre aguentava o tranco.
   Tentei disseminar a ideia das trilhas entre meus amigos,mas depois que um deles caiu e fraturou os dois braços de uma só vez,o pessoal começou a acha aquela brincadeira perigosa demais.Mesmo sozinho,eu não perdia a oportunidade de pedalar por lá.Era como se eu necessitasse daquela adrenalina para manter o sorriso no rosto.
   Foi nessa época que conheci o Graia,cujo nome de batismo era Leandro,e o Saci,cujo nome de batismo era Ernane.Tínhamos em comum a paixão pelas motos e a vontade de ter uma.O graia sonhava com uma sete galo e eu queria mesmo era ter dinheiro para comprar a TTzinha de um vizinho meu,enquanto o Saci se contentava com qualquer coisa que tivesse motor.
   A vontade era tamanha,que eu tinha jaqueta,tinha capacete,tinha luvas.Só me faltava a moto.Vestia a jaqueta,Botava o capacete,e passava horas em frente ao espelho.Às vezes dormia de capacete.Era um motoqueiro,sem moto.Me sentia o próprio James Jean,a pé...
   Foi nesse ano que assisti pela primeira vez um filme sobre automobilismo.Meu irmão me levou para assistir
"FORMULA1,FEBRE DE VELOCIDADE",que estava em cartaz no cinema da cidade.a cena que mostrava um acidente onde o piloto mata um bandeirinha atropelado,e ao mesmo tempo vem a falarcer,decaptado pelo extintor de incêndio que o bandeirinha atropelado carrevaga,me deixou chocado.Não pela violência da cena em sí,mas pela sensação de agressividade que aquele esporte projetou em mim.Confesso que nunca tinha visto coisa igual e saí do cinema assustado,mas à partir daquele momento,tive a certeza de que era aquilo que eu queria para a minha vida.comecei a entender os riscos que envolvem qualquer esporte a motor e estava mais convicto do que nunca que um dia seria um piloto de verdade.
   Nessa época,o motocross era uma categoria que estava se popularizando no país.A Yamaha havia lançado sua DT180 e a Honda vInha com sua XL250.Posteriormente vieram as MX180 ,que eram derivadas das DRs,só que preparadas pra pista,e as AGRALE WXT125 para motocross e EXPLORER 27.5 para trilha.Tanto a XL250 quanto MX e DT 180 além da WXT125 participavam do Troféu HOLLYWOOD MOTOCROSS.Foi um dos eventos que mais atraiu gente para o fora de estrada nessa época.Consequentemente os campeonatos regionais também se fortaleceram.
   Eu não perdia uma corrida sequer.Estava presente em todas as etapas que aconteciam nas proximidades da minha cidade.Vibrava com as batalhas travadas pelo Avenir Vilela,Chico Doido,Céguim,Tonim Bala e a familia Maia,e sonhava em fazer parte do espetáculo um dia.Cheguei a ir de Tupaciguara a Itumbiara de bicicleta só pra assistir uma corrida de motocross.Adorava o cheiro de óleo M50 e o barulho dos motores dois tempos.
 
CALOI CROSS FREESTYLE
MONARK BARRA CIRCULAR

1982


   Num domingo,eu e um amigo resolvemos ir escondidos para uma represa que ficava bem distante de casa,Seguiríamos por uma estrada de cascalho onde os relatos de acidentes eram constantes.Enquanto combinávamos a transgressão,meu irmão caçula escutou nossa conversa e disse que se não o levássemos junto,ele contaria tudo para minha mãe.
   Teríamos de pedalar bastante e o peso extra dificultaria ainda mais as coisas,mas acabamos cedendo á chantagem e o levamos conosco.Quase chegando na represa,meu amigo,que naquele instante levava meu irmão na garupa,perdeu o controle da bicicleta e caiu um tombo feio.Meu irmão se ralou todo e sofreu vários cortes no rosto.Ficamos apavorados ,sem saber como chegar em casa com ele naquela situação.Até tentamos pedir socorro,mas tivemos de voltar pedalando mesmo.
   A situação era tão grave que tivemos de parar num riacho e cobrir o rosto dele com uma camisa molhada.para tentar estancar o sangramento.Quando chegamos em casa,minha mãe chamou um taxi e correu com ele pro hospital.Tomos mais de quarenta pontos só no rosto.O rosto dele ficou tão inchado que ele ficou irreconhecível.Apesar da gravidade do acidente,tudo terminou bem,e depois de pouco tempo já estávamos prontos para novas aventuras.
   Foi nesse ano que li a primeira revista especializada em motos.Era uma Duas Rodas que ganhei de presente do meu cunhado e trazia na capa uma foto da recém lançada Honda XL250 1982.Foi o início de um vício que já dura mais de trinta anos.A imagem daquele sujeito de roupa prateada trilhando em solo lunar,mexeu comigo de tal forma,que desde então passei a devorar todas as publicações relacionadas ao universo motociclístico.Mal poderia imaginar que vinte e cinco anos depois,veria um das minhas histórias estampando as páginas dessa mesma revista.
   Pescar era uma grande diversão pra gente.Juntávamos vários garotos,acomodávamos os apetrechos nas bicicletas e partíamos em busca de uma boa pescaria.Levávamos de tudo,comida,panelas e até uma cachacinha para esquentar o frio.
   Certa vez,nos preparamos com toda antecedência,mas ao chegar na beira do rio,nos demos conta de que havíamos esquecido o essencial:fósforos!.A unica alternativa foi pegar uma velha espingarda,carregá-la som com pólvora e atirar na camisa de um dos integrantes do grupo.O fogo começou a se formar e sopramos até virar uma chama de verdade.Pronto! a pescaria já não estava mais comprometida.
   Noutra pescaria,outra situação hilária.Depois de passar uns dias internado,vítima de pneumunia,me juntei a outros garotos e pedalamos até um rio não muito distante da cidade.Minha mãe fez uma marmita para que eu levasse e na hora do almoço,uma surpresa:A cabeça de um parafuso que estava misturada á comida quase quebrou meu dente.Não perdi a oportunidade de fazer piada da situação e disse que por estar precisando de ferro no sangue,minha mãe estava me obrigando a seguir uma dieta a base de pregos e parafusos.Muitas gargalhadas nessa hora.

sexta-feira, 13 de julho de 2018

1981

                            
   O trabalho na marcenaria me deu a oportunidade de colocar em prática o meu talento para customizar minhas bicicletas.Geralmente eu cortava o suporte do banco para baixar o centro de gravidade,adaptava semi-guidões ao garfo,instalava number plates que eu mesmo fazia,pintava o quadro e as rodas com cores bem extravagantes e dispensava além dos freios,tudo o que representasse peso.
   Quando estava sobre a bicicleta,me sentia um verdadeiro piloto de motovelocidade.Adorava descer a Rua Bueno Brandão á mil e fazer a curva da praça da Matriz tentando arrastar o joelhão no chão.A danada deitava tanto,que ás vezes eu acabava vendo o asfalto muito mais perto do que deveria.
   Como minhas bicicletas nunca tinham freio,eu usava o pé para parar.Enfiava o calcanhar por entre o quadro e o pneu,e freava que era uma beleza.Numa dessas,estava usando uma chinela havaianas e eis que em plena descida a precata sai do pé.O pneu literalmente engoliu ela.No final da descida havia um cruzamento bem movimentado e eu não tinha opção,Era parar,ou morrer!
   Na hora do desespero não tive dúvida,meti o pezão descalço naquele pneu borrachudo e quanto mais eu pressionava,mais forte era o cheiro de chifre queimado.Depois do susto,enquanto me contorcia de dor,vi uma enorme bolha se formar na sola do pé.Passei uns bons dias meio cambeta,improvisando todo tipo de remédio para curar a ferida.




terça-feira, 10 de julho de 2018

1980


   Depois de um tempo no açougue,trabalhando em troca de gorgetas,meu pai me levou para ajudá-lo numa marcenaria.
   Nessa época meu endereço passou a ser uma velha casa na Rua Vigilato Prudente que meus pais compraram á custa de muito sacrifício.Me lembro da minha mãe juntando as moedas para completar o valor das prestações.No fundo,acho que ela era uma visionaria como eu,e talvez venha daí a minha inspiração para acreditar que todos os sonhos são possíveis.
   Com o meu primeiro salário na marcenaria,comprei uma bicicleta que meu primo já havia aposentado.A conquista do meu primeiro patrimônio foi a realização de um sonho.Agora,minha mãe não me seguraria mais...
   O sonho de liberdade começou meio conturbado.No primeiro dia com a Bike,atropelei um pequeno vira-latas que se atreveu a cruzar meu caminho.Estava a plena velocidade na descida da rua de casa,e depois do capote,enquanto contabilizava os hematomas e os prejuízos,vi o ex valente se arrastando pelo chão,chorando feito uma criança mimada.Não sei se o coitado morreu,mas depois desse dia,nunca mais o ví.

1979


   Comecei a trabalhar cedo.Mal havia completado treze anos.Eram tempos difíceis e tudo o que eu queria era ser dono do meu próprio nariz.O trabalho não me enriqueceu financeiramente porque eu tinha de escolher entre viver ou acumular patrimônio e acabei ficando com a primeira opção.
   Comecei enchendo os fornos de uma cerâmica,mas aquilo era trabalho para adulto,e depois que uma tora de madeira quase decepou meu dedo,minha mãe me proibiu de voltar lá.
   Tentei vender picolé,mas como a minha cara de fracote não impunha respeito em ninguém,desisti de enfrentar os garotos maiores que se recusavam à pagar o que consumiam.
   Fui indicado então para trabalhar numa oficina de radiadores que ficava ao lado da minha casa.Tudo ia bem,até que entrei num velho Ford 1929,e ao tentar funcioná-lo,quase matei o dono da oficina atropelado.
   Depois disso,passei para o ramo que me permitiu aprimorar minhas habilidades sobre duas rodas.Como já sabia andar de bicicleta,fui contratado para ser entregador num açougue.Usava uma velha Monark da década de sessenta,com um caixote de madeira e a logomarca da empresa estampada nas laterais.Mesmo tendo de usar a ponta dos pés para alcançar os pedais,pedalava cada vez mais rápido para tentar quebrar meu recorde de tempo.Queria ser o entregador de carnes mais rápido da cidade e os acidentes eram inevitáveis.Volta e meia acertava a porta de algum carro ou pregava a cara em algum muro.
   Se a minha velocidade agradava o dono do açougue,o meu senso de humor nem sempre agradava os clientes.
   Às vezes,chegava num local de entrega e perguntava:-É aqui que mora uma tal de "Gerarda Viola"? (Dona Geralda era uma solteirona que media quase dois metros,tinha a cintura da Olivia Palito e odiava ser chamada pelo apelido)
   -É aqui que mora o "Tião Pontaria"? (Sebastião era um encanador que nasceu com um sério problema de estrabismo.De tão vesgo,parecia estar constantemente com um olho no gato e outro no peixe).Bullyng puro!
    -É aqui que é o "Puteiro da Clarissona"? ( Dona Clarisse pesava quase duzentos quilos e era cafetina de um dos prostíbulos mais frequentados da cidade).Há,Há,Há...Vez ou outra,algum cliente ligava no açougue reclamando do entregador abusado.
EU AOS 12 ANOS

1978


     Quando estudava no grupo escolar Arthur Bernardes,tinha um amigo que possuía uma bicicleta toda incrementada.Era uma Monark modelo Tigrão,estilo chopper,com um longo garfo e banco imitando pele de tigre.Mas o que mais me chamava a atenção nem era a bicicleta,era o capacete que ele usava.Um modelo aberto,de plástico,verde com a pala branca,semelhante ao que o Jim Clarck usava na Fórmula 1.Era o meu objeto de desejo.Acreditava piamente que com um daquele na cabeça eu seria como os pilotos de Lambreta.
   Todos os dias,quando chegava da escola,implorava para que minha mãe me comprasse um.Passava as tardes chorando e pedindo o tal capacete.A coitada mal conseguindo colocar comida dentro de casa,e eu querendo um capacete...
   Acho que essa foi uma das razões que me levaram à começar a trabalhar tão cedo.Eu precisava de independência para começar a realizar os meus sonhos.O tempo passou,eu tive uma centena de capacetes,mas nenhum igual àquele.
CAPACETE DA DÉCADA DE 60

MONARK TIGRÃO

 

1977


    Tínhamos dois gatos e cinco cachorros.Éramos como uma família.Para os bichos e para as crianças,qualquer canto dos cinco cômodos da casa era palco de alguma nova peripécia.A gente tinha um mundo inteiro para ser descoberto.Nem sempre a convivência era das mais pacíficas,mas pelo menos não sofríamos de solidão.
   Gato com nome de gente,cachorro com nome de gente,em casa era assim.Clotilde,Gersina,Tarzan,Gilberto Gil,Caetano Veloso,Frederico José e Elke Maravilha.Ainda tinham o Roberto Carlos e o Nelson Ned,um galo com pinta de artista de TV e um galizezinho metido a brabo.Um dia o Nelson Ned se engraçou pro lado das galinhas e resolveu tomar o terreiro de assalto.Deu uma taca tão grande no Roberto Carlos que ele quase teve de ir pra panela.Os dois acabaram se entendendo e o Roberto Carlos morreu de velho.
   A Gersina era a gata mais preguiçosa da face da terra e a Clotilde,de tão enturmada com os gatos da vizinhança,passava mais tempo na rua do que em casa. O Tarzan,um pequeno vira-latas preto,não tinha a agilidade da chita e morreu atropelado.Foi enterrado no quintal sob lágrimas,com direito a cruz e rosas.
   O Frederico José era meio fresco e não dava muita moral pros outros cachorros.Gilberto Gil,Caetano veloso e a perdigueira Elke Maravilha,que estava mais para Dercy Gonçalves,eram como os bichos do desenho animado.Com uma energia inesgotável,capaz de dar inveja a qualquer super-herói,estavam sempre dispostos a nos acompanhar por onde quer que fôssemos,ainda que isso significasse se meter em grandes enrascadas.Passar o dia enfiado no mato,atravessar córregos,ter de se equilibrar em cima de uma carroça desembestada,enfrentar a fúria de outros cachorros ou servir de cobaia para as nossas brincadeiras nada engraçadas,acabava se tornando uma prova de lealdade.
   Minha mãe era viciada em velórios.Não podia ouvir uma nota de falecimento que tratava de se deslocar para a despedida do defunto,fosse ele um conhecido ou indigente.O Frederico José não saia da cola dela.Ele a acompanhava a certa distância,trotando suave feito cachorro de gente rica,enquanto ela resmungava tentando fazê-lo voltar pra casa.Elegante,ele a aguardava pacientemente do lado de fora,mas vez ou outra cismava de se enfiar debaixo do caixão.Minha mãe,incrédula,ficava sem saber onde enfiar a cara de tanta vergonha.
   Os anos se passaram,minha mãe e o Frederico José se foram,assim como o Gilberto Gil,o Caetano Veloso,a Elke Maravilha e os gatos.Os anos levaram também a minha infância e mudaram a minha forma de ver o mundo,mas quando me lembro deles,tenho a sensação de que somos meio bicho,meio gente,e nunca vamos perder a essência dessa ligação.

1976


   Como o pouco dinheiro que meus pais botavam dentro de casa era insuficiente para termos uma alimentação decente,tínhamos de nos desdobrar para não passar fome.
Uma das alternativas para garantir o café da manhã,era comprar pão amanhecido.A gente chegava na padaria e perguntava:-Moço,tem pão de onte?,e saia de lá com a sacola cheia de pães pagando pouco.
   Quase sempre tínhamos de madrugar na porta da padaria para comprar os pães antes das freiras,que usavam a mesma tática para alimentar as garotas do orfanato.
   À medida em que os irmãos mais velhos iam crescendo e começando a sentir vergonha da situação,os mais novos iam assumindo a responsabilidade de colocar o café da manhã dentro de casa.Quando chegou a minha vez,nem reclamei.Ia com o maior prazer porque pelo menos podia usar a bicicleta do meu pai sem que ele me chamasse a atenção.
   Me lembro que numa das vezes,quando voltava pra casa,a barra da calça prendeu na corrente da bicicleta e levei um belo tombo.fiquei estatelado no chão,com a calça enganchada na bicicleta e os pães esparramados pela rua.
BICICLETA DO MEU PAI

1986

   O método mais seguro para aprender a empinar,era sair carregando alguém na garupa para segurar a moto arrastando os pés no chão,caso e...